Carnaval de rua de SP vira refém de grandes marcas

Dez anos após a retomada, o Carnaval de rua de São Paulo tornou-se dependente das marcas para financiar uma estrutura milionária.
Carnaval de rua de SP vira refém de grandes marcas

O ano de 2024 marca uma década desde a publicação do decreto municipal que assinalou a retomada do Carnaval de rua em São Paulo. Agora, espera-se um número dez vezes maior que o de 2014, que contou com cerca de 1,5 milhão de pessoas. Assim, para esse ano, a expectativa é de receber 15 milhões de foliões nos desfiles pela cidade.

Investimentos

Para os organizadores de desfiles de médio porte, que reúnem a partir de 150 mil foliões, estima-se um investimento médio de R$ 150 mil por apresentação neste ano. Trata-se, então, do valor mais alto em uma década. Já os megablocos, como o Acadêmicos do Baixo Augusta – que atraiu 1 milhão de pessoas em 2023 – chegam a ter um orçamento de até R$ 5 milhões por desfile.

“Este é o Carnaval mais caro que já organizamos. A cada ano, os custos aumentam”, explica Fernando Magrin, sócio-fundador do bloco Minhoqueens, que desfila desde 2016 e, no ano passado, atraiu cerca de 500 mil foliões.

O desfile ocorreu, assim, no sábado (10) de Carnaval, no centro da capital.

Algumas problemáticas

Agora, um patrocínio não é mais suficiente. Dessa forma, a fim de manter a presença nas ruas, o bloco organiza festas ao longo do ano, além de buscar pelo menos dois patrocínios.

Magrin acrescenta: “Mesmo com o apoio, só recebemos o dinheiro 30 ou 60 dias depois. Então, precisamos ter o dinheiro antes, de qualquer forma”.

Trata-se, assim, de uma situação que se agrava a cada ano, segundo pessoas envolvidas no Carnaval paulistano. Assim, esses fatos resultaram no cancelamento de 118 desfiles até a quarta-feira do dia 31 de janeiro, às vésperas do pré-Carnaval. No ano passado, foram, então, 85 cancelamentos ao longo das três semanas de desfiles.

Na lista de desistências estiveram nomes tradicionais como Domingo Ela Não Vai e Meu Santo É Pop, além de blocos menores que desfilam nos bairros.

Diego Leporati, fundador do bloco Cecílias e Buarques, diz: “Mais uma vez, os blocos tradicionais que fazem o Carnaval na raça estão sendo prejudicados.”

A planilha de custos

Para garantir o desfile pelas ruas de Santa Cecília no sábado, 17 de fevereiro, de pós-Carnaval, Leporati afirma que organizou eventos e arrecadou fundos ao longo do ano e fechou um patrocínio. “Logo, apenas os megablocos irão desfilar no Carnaval”, lamenta.

Entre os custos mais elevados está o aluguel de equipamentos de som capazes de propagar a música dos blocos para a multidão. O aluguel diário de um trio elétrico, por exemplo, aumentou de R$ 35 mil para R$ 60 mil, em média, em um ano. Esse aumento é atribuído pelos organizadores dos blocos à escassez de equipamentos disponíveis e ao aumento da demanda.

A esse valor se somam outras despesas. Blocos com expectativa de atrair mais de 40 mil pessoas são obrigados a contratar ambulâncias e bombeiros civis para os desfiles – o pacote custa, em média, R$ 11 mil, de acordo com os organizadores. Há também despesas com produtores, seguranças e pessoal responsável por delimitar a área dos músicos nos desfiles.

A planilha de custos cada vez mais elevada obriga os organizadores dos blocos de rua a aumentar as cotas de patrocínio para equilibrar as contas, o que nem sempre ocorre na mesma proporção.

O apelo dos organizadores

Giselle Galvão, fundadora do bloco Explode Coração, fez um apelo nas redes sociais três semanas antes do Carnaval, alertando sobre o risco de cancelamento do desfile por falta de patrocínio. “O orçamento é muito alto para um projeto independente”, diz ela, que conseguiu fundos e irá desfilar no domingo (11) na Praça da República.

Nas ruas desde 2017, o bloco acompanhou o crescimento do Carnaval paulistano. Giselle relata que o primeiro desfile, em Santa Cecília, custou R$ 25 mil e que o público, estimado em 3.000 foliões, acabou atraindo 10 mil pessoas naquele ano. As ruas do bairro não comportaram mais a multidão, e o bloco passou a desfilar no centro histórico da cidade. “Foi quando todos os custos aumentaram”, diz ela. “Sempre crescemos muito mais do que o esperado”, acrescenta sobre o bloco que atraiu mais de 150 mil foliões no último Carnaval.

“Sem dinheiro, o bloco não sai. Ou os membros se unem para arcar com os custos ou precisam buscar patrocínio”, afirma Alê Natacci, presidente do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta. Ele calcula que, neste ano, os custos estejam 20% mais altos.

A importância da estrutura

Neste ano, o bloco, que tradicionalmente desfila com seis trios elétricos na Rua da Consolação no domingo do dia 4 de janeiro, de pré-Carnaval, acrescentou mais um veículo em comemoração aos seus 15 anos.

“A hiperbolização do Carnaval de São Paulo afeta todos os blocos e faz com que até desfiles que não necessariamente precisariam de um trio elétrico acabem demandando um carro de som para que a música alcance a multidão. Isso triplica os custos”, observa Guilherme Varella, autor do livro recentemente lançado “Direito à Folia”.

Para Varella, a atual dinâmica de mercado do Carnaval decorre diretamente da necessidade de mais estrutura.

“As empresas dão prioridade ao patrocínio dos blocos que possuem maior apelo midiático e comercial para uma melhor ativação da marca”, afirma. No entanto, esse perfil representa apenas uma minoria. “A grande maioria, cerca de 80%, são blocos de médio ou pequeno porte”, acrescenta o pesquisador.

Outro obstáculo neste ano, segundo os organizadores, foi a demora da gestão de Ricardo Nunes (MDB) em definir o patrocinador oficial do Carnaval. O resultado da licitação foi anunciado em 16 de janeiro, a menos de um mês do início dos desfiles. Todos os anos, o mercado publicitário aguarda o anúncio do patrocinador oficial para traçar estratégias de marketing nos blocos individualmente.

O secretário de Governo, Edson Aparecido, negou qualquer tentativa da prefeitura de sufocar o Carnaval de rua.

“O patrocínio foi firmado no mesmo dia, em 16 de janeiro, como no ano anterior. Iniciamos as reuniões com os blocos em outubro de 2023”, declarou. “Os patrocinadores estão investindo em outras áreas, como bares, restaurantes e festas”, acrescentou.

A lógica das ativações de marca no Carnaval

Diante dos custos elevados, o Carnaval de rua de São Paulo torna-se cada vez mais dependente das ações de marketing das marcas, explica Varella:

“Optou-se pelo modelo no qual as empresas fornecem os serviços e, em troca, ganham o direito de explorar comercialmente a festa.”

Com o patrocínio, vem a exposição da identidade visual das empresas, que domina a paisagem urbana durante os dias de folia.

“Há uma padronização da cidade, embora o Carnaval seja diverso e divertido”, afirma Varella. “Existe uma lógica empresarial agressiva por parte dos patrocinadores, que migram dos espaços privados para o público para associar à marca valores intrínsecos à festa, como alegria, liberdade e fraternidade.”

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