Como evento, COP30 deixou a desejar

Apesar da relevância global do evento, múltiplos problemas logísticos e estruturais em Belém geraram frustração e críticas, indicando que a organização ficou aquém do esperado

🔎 Foco da notícia 🔎

  • Foi a primeira vez que a COP foi realizada na região amazônica, reforçando seu papel central nas discussões globais.
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  • A COP30 aborda temas cruciais como financiamento climático, revisão das NDCs, adaptação, proteção de florestas, bioeconomia e transição energética.
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  • As falhas na estrutura e logística do evento revelam um contraste entre a importância política da COP30 e os desafios encontrados na sua execução.

Marcada como a primeira Conferência das Partes sediada na Amazônia, a COP30 — realizada de 10 a 21 de novembro de 2025, em Belém do Pará — carregava forte expectativa internacional. A escolha da capital paraense tinha peso simbólico e político: levar ao centro do debate climático global a maior floresta tropical do mundo, com foco em soluções baseadas na natureza, bioeconomia, proteção de povos indígenas e justiça climática.

No entanto, apesar da relevância geopolítica e do conteúdo das negociações, a organização do evento passou por dificuldades significativas que comprometeram a experiência de delegações, trabalhadores e visitantes.

Pilares da agenda climática

A COP30 ocorre dez anos após o Acordo de Paris, em um momento decisivo para revisar metas climáticas e acelerar ações concretas para limitar o aquecimento global a 1,5°C. Entre os temas centrais discutidos estavam:

• Financiamento climático
Países em desenvolvimento cobraram o cumprimento — e ampliação — das promessas financeiras feitas por nações ricas. O impasse sobre valores, prazos e mecanismos de desembolso continuou sendo um dos maiores entraves nas negociações.

• Revisão de NDCs (planos nacionais de ação)
Os países deveriam apresentar metas atualizadas de redução de emissões. A avaliação de organizações internacionais é de que a ambição coletiva permanece abaixo do necessário para conter a crise climática.

• Adaptação e resiliência
Houve debate sobre métricas globais de adaptação e sobre como apoiar regiões vulneráveis a incêndios, enchentes, ondas de calor e outros eventos extremos que vêm se intensificando.

• Proteção das florestas e bioeconomia
Por estar na Amazônia, a conferência deu destaque à conservação florestal, aos direitos territoriais de povos indígenas e às cadeias produtivas sustentáveis baseadas na biodiversidade.

• Transição energética justa
O avanço da eliminação progressiva dos combustíveis fósseis voltou a gerar embates, com países exportadores resistindo a compromissos mais rígidos.

Apesar da densidade da pauta, a COP30 enfrentou críticas de falta de clareza nos caminhos práticos para implementação das metas acordadas.

Infraestrutura de Belém virou alvo de críticas internacionais

A preparação da cidade para receber um dos maiores eventos multilaterais do mundo foi questionada desde o início. Durante a COP30, alguns problemas se destacaram:

Saneamento e mobilidade

Delegações relataram dificuldades com alagamentos em áreas próximas aos pavilhões, falhas de coleta de lixo e transporte sobrecarregado. O fluxo internacional pressionou uma infraestrutura urbana historicamente limitada.

Segurança e episódios de tensão

Foto: Ronaldo Brito/Globo Amapá

No dia 11, a Zona Azul — área restrita onde ocorrem as negociações oficiais — foi invadida por manifestantes. O episódio levou a ONU a enviar uma carta classificando a situação como “falhas graves de segurança”, exigindo plano emergencial e medidas corretivas.

Estrutura dos pavilhões

Relatos de goteiras, queda no fornecimento de água e ar-condicionado insuficiente tornaram-se comuns, com delegados descrevendo a experiência como desconfortável, especialmente diante do forte calor amazônico, que ultrapassava 30°C. Após reclamações públicas, a presidência da COP afirmou que os problemas estavam sendo corrigidos.

A forte tempestade que atingiu Belém na tarde de 17 de novembro provocou uma série de transtornos em diferentes pontos da cidade e expôs fragilidades na infraestrutura montada para a COP30, no Parque da Cidade.

As rajadas de vento foram tão intensas que parte da cerca de proteção que conecta a área Blue à Greenzone acabou cedendo. Em um dos acessos, a água invadiu o carpete, e lixeiras precisaram ser improvisadas para conter as goteiras. Já na saída da BlueZone, muitos visitantes aproveitaram para pegar os guarda-chuvas distribuídos pela prefeitura.

Em nota, a organização da COP30 reconheceu falhas pontuais na estrutura, sobretudo nos pavilhões, e informou que equipes técnicas estão atuando nos reparos e ajustes para garantir o pleno funcionamento das instalações.

A tenda que servia como barreira contra o mau tempo também não resistiu à força do vento e acabou desabando durante a tempestade.

Hospedagem: preços abusivos dominam o debate

Um dos temas mais sensíveis foi o custo da estadia em Belém:

Foto: Rafael Medelima / COP30

Hotéis e anfitriões de plataformas como Airbnb e Booking foram acusados de multiplicar tarifas por até dez vezes. Com isso, Justiça do Pará, Defensoria Pública e Governo Federal notificaram estabelecimentos e exigiram ajustes. As plataformas se comprometeram a remover anúncios com valores exagerados e limitar preços a no máximo três vezes a alta temporada.

Apesar das medidas, os resultados foram irregulares:

  • Algumas hospedagens realmente reduziram preços em até 50%.
  • Delegações de países mais pobres relataram que ainda tinham dificuldade de encontrar acomodações acessíveis.
  • Algumas equipes consideraram reduzir o número de participantes ou até não comparecer.
  • Soluções alternativas surgiram, incluindo estadias em igrejas, casas comunitárias e embarcações.

O Ministro do Turismo chegou a afirmar que o mercado “se autorregulou”, mas a percepção geral entre participantes foi de que o problema não foi totalmente solucionado.

Alimentação caótica na Zona Verde

O primeiro dia da COP30 já expôs outro gargalo: a falta de alimentos nos quiosques da Zona Verde, destinada ao público geral e a atividades culturais.

Foto: Diogo Schelp/VEJA

Sanduíches, coxinhas e snacks acabaram antes das 15h, o que fez muitos visitantes recorrerem a sorvetes e doces como “almoço”.

Além disso, preços considerados abusivos — como fatias de bolo por R$ 25 — geraram novas críticas. Por segurança, a organização proibia entrada com alimentos externos, aumentando a frustração. Estabelecimentos fecharam as portas por não terem estoque ou funcionários suficientes.

Enquanto isso, na Zona Azul, onde circulam delegações oficiais, a oferta de comida era maior e mais diversificada, gerando sensação de desigualdade entre participantes.

Trabalhadores terceirizados em condições indignas

Funcionários responsáveis pela limpeza dos pavilhões da COP30 relataram:

  • Proibição de comer na praça de alimentação após o início do evento.
  • Refeições feitas no chão, ao lado de banheiros.
  • Falta de local adequado para descanso.
  • Banheiros sem refrigeração, com sensação térmica muito alta.
Imagem: Hélen Freitas/Repórter Brasil

Auditores fiscais do Ministério do Trabalho classificaram a situação como incompatível com o propósito da conferência. Empresas contratadas foram cobradas a providenciar estruturas adequadas, mas muitos trabalhadores afirmaram que as melhorias não haviam sido implementadas.

Entre simbolismo e execução falha

Apesar de seu papel central na discussão climática global e do peso de ocorrer na Amazônia, a COP30 se tornou um exemplo de como desafios logísticos podem comprometer um evento diplomático dessa magnitude.

Por um lado, as negociações avançaram em temas essenciais e reforçaram a urgência da ação climática.
Por outro, as falhas operacionais — desde hospedagem cara e desorganização alimentar até condições precárias de trabalho e problemas de segurança — deram o tom das críticas.

A COP30 entrará para a história tanto pelo cenário amazônico quanto pelos alertas deixados sobre a importância de planejamento, infraestrutura e respeito aos participantes e trabalhadores em eventos internacionais de grande escala.

Para muitos, a avaliação final é clara: como encontro político, a COP30 foi decisiva; como evento, ficou aquém do esperado.

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